O Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESUP) criticou nesta quarta-feira o reitor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) por se “vangloriar de tudo saber” sobre os docentes e alertou para um “clima de suspeição” naquela academia.

Através de um comunicado interno, divulgado nesta quarta-feira e ao qual a Lusa teve acesso, o reitor Emídio Gomes disse que em nenhum momento interferiu, ou interfere, com qualquer docente da UTAD, no que “respeita aos rigorosos princípios de liberdade, isenção e lealdade a todos eles, sem exceção”.

“Esta é uma prática de que me orgulho e todos sabem que a pratico”, afirmou.

A posição do sindicato foi tomada depois de declarações do reitor da academia transmontana, em 9 de Outubro, durante um evento na Faculdade de Economia da Universidade do Porto.

Na ocasião, e segundo cita o SNESUP, o reitor disse: “Eu quatro vezes por ano fecho-me com a totalidade dos meus núcleos de curso, à porta fechada, e com um “acordo confidencial” em que o que se passa lá não é usado como fonte. Eu sei tudo sobre meus professores! Já agora, eu antes de ser reitor da universidade, eu fiz uma amostra de 100% dos meus docentes do quadro da universidade. Eu sei exatamente o que cada um deles faz, como está, quando faltam às aulas, quando trapaceiam com as aulas, quando não colocam os pés lá! Sei disso tudo sobre cada um com esse cuidado, conheço as fraquezas da minha própria instituição, no sentido de fortalecê-la”.

“O teor dessas declarações lança um clima de suspeição relativo à atuação dos professores da UTAD, que não é de todo admissível”, frisou o SNESUP.

Ele acrescentou que o “recurso ao método alardeado pelo magnífico reitor da UTAD, de delação anônima em ambiente não institucional, não permite aos professores qualquer tipo de contraditório, lesando seus direitos e ofendendo sua dignidade pessoal e profissional”.

O sindicato garantiu que defende que as observações dos estudantes ao desempenho dos docentes são de enorme importância e devem ser tidas em conta, mas para tal, acrescentou, existem, em todas as instituições de ensino superior, e também na FORAinstrumentos validados para esse efeito.

Apelo a que Governo repudie declarações

Para o SNESUP, as declarações do reitor revelam “que existe na UTAD uma cultura do medo e da prepotência”, e pediu “à comunidade acadêmica da UTAD, ao seu Conselho Geral e ao Ministério da Educação, Ciência e Inovação que repudiem esse tipo de práticas não conformes com o estado democrático de direito”.

A Lusa tentou ouvir o reitor, que optou por não reagir publicamente.

No entanto, na comunicação interna, Emídio Gomes disse que sua intervenção, na Universidade do Porto, aconteceu na resposta a uma pergunta feita pelos estudantes sobre sua participação efetiva na avaliação dos modelos pedagógicos, nomeadamente dos professores.

“A realização regular de reuniões do reitor com os núcleos de estudantes é uma prática pública, saudável, já que são eles o nosso maior foco, sempre assumida de forma transparente perante a academia. Nestas reuniões são analisados diversos aspectos do funcionamento geral da UTAD e dos Serviços de Ação Social (SASUTAD), incluindo as unidades curriculares da vasta oferta formativa”, escreveu ainda.

Emídio Gomes acrescentou: “É óbvio que sempre que são reportadas ocorrências de práticas pedagógicas indevidas, mesmo que pontuais, é meu dever dar cumprimento escrupuloso ao direito de reserva e confidencialidade, nunca sendo a informação usada diretamente pelo reitor, constituindo este um princípio fundamental” .

E, por fim, ressaltou que continuará “ouvindo os estudantes da UTAD, como parte fundamental dos interesses da instituição”, e que “não será uma minoria que mudará essa prática de importância elementar”.

Emídio Gomes é reitor da UTAD desde 2021.

BE questiona o ministro

Entretanto, o Bloco de Esquerda questionou esta quarta-feira o ministro da Educação, Ciência e Inovação sobre estas declarações.

Na pergunta, dirigida ao ministro Fernando Alexandre, o grupo parlamentar bloquista diz ter sido informado de que essas declarações surgem “no seguimento de outras semelhantes em reuniões internas e estão relacionadas a processos disciplinares a docentes” e referem que os professores universitários e dirigentes sindicais André Carmo e Pedro Oliveira denunciaram essa situação no artigo “As vigilâncias do senhor reitor”, publicado no jornal PÚBLICO.

“Este caso aponta para um problema de falta de democracia interna na UTAD. Infelizmente, as insuficiências democráticas do regime jurídico das instituições de ensino superior (RJIES), que atualmente se encontra em revisão, tornam as Universidades e os Politécnicos permeáveis ao excesso de centralização do poder e a todos os problemas que daí decorre. Tirar lições deste tipo de situações só fortalece a necessidade de uma gestão verdadeiramente democrática das instituições de ensino superior”, é defendido na pergunta.

Para o BE, as declarações em questão do reitor da UTAD “são da maior gravidade”, argumentando que “comportamentos persecutórios, de intimidação e antidemocráticos não podem ter lugar nas instituições de Ensino Superior”.

Nesse contexto, os bloquistas querem saber se o Governo teve conhecimento dessa situação, como se posiciona e que ações tomará “para responder às preocupações da comunidade acadêmica com o ambiente persecutório denunciado pelos sindicatos e patente nas palavras do próprio reitor da UTAD”.

Texto atualizado às 18h54 com a pergunta do Bloco de Esquerda