Do total de aprovados no vestibular, apenas 1655 estudantes carentes ingressaram no sistema, o que representa uma queda de 41% em relação ao ano anterior. Dos estudantes do nível A, 1178 entraram por meio do contingente prioritário criado pelo Governo do PS, destinado aos beneficiários do nível A de ação social. Embora as instituições reservem 2% ou duas vagas em seus cursos para esse contingente, muitas dessas vagas permanecem sem preenchimento, o que evidencia as desigualdades econômicas, mas também as sociais.

A escolha do percurso acadêmico é, também, influenciada pelo contexto em que cada jovem se insere – pais e colegas –, tendo a sua origem social e grau de qualificações dos pais uma importância crucial. Jovens de classes sociais menos privilegiadas tendem a fazer escolhas menos ambiciosas, mesmo quando seu desempenho escolar lhes permite alcançar mais. Para entender, apenas 10% dos filhos de famílias com menos recursos e qualificação chegam ao ensino superior. Segundo o Banco de Portugalo filho de um finlandês pobre, com o equivalente ao 9º ano, tem mais chances de concluir uma graduação do que um português rico com o mesmo nível de estudos.

Além das desigualdades no acesso, há também a pressão crescente do mercado de trabalho e o aumento brutal dos custos associados ao ensino superior. O caminho até o ensino superior ainda é protagonizado por múltiplas desigualdades sociais que começam logo na pré-escola e se acentuam ao longo do percurso escolar. Na antecâmara do acesso ao ensino superior, o ensino médio, as desigualdades se multiplicam: mais da metade dos alunos recorrem a aulas particulares e 25% frequentam colégios particulares, o que reflete as falhas da escola pública. Naturalmente, quem tem professor particular está em clara vantagem frente aos demais.

A inflação de notas em determinadas escolas e colégios é outro fator que contribui para a desigualdade no seio académico. Vejamos que, no ano letivo 2023/2024, 40% das notas atribuídas pelos professores dos colégios privados foram de 19 e 20 valores. A Inspeção-Geral da Educação detetou irregularidades em dez colégios relacionados com a inflação das classificações finais. Lamentavelmente, há colégios que constroem a sua marca e reputação comercial em torno da inflação de notas, criando um “passaporte” injusto para o ensino superior e prejudicando milhares de outros estudantes. Sejamos francos, pagar ou receber para aumentar as notas tem um nome, chama-se corrupção.

Os altos custos para cursar o ensino superior são, também, um desestímulo para as famílias mais carentes. Segundo o Iscte, estudar custa, em média, R$ 900 por mês para um estudante deslocado um valor incomportável para a maioria das famílias portuguesas. No Porto, por exemplo, um quarto custa mais de 400 euros mensais, e há para o país todo apenas 16 mil camas públicas para um universo de 110 mil estudantes deslocados. Para piorar, as bolsas de ação social são calculadas com valores de referência abaixo do limiar da pobreza.

A educação, em geral, e o ensino superior, em particular, devem funcionar como instrumentos de mobilidade social, e não como reprodutores das desigualdades sociais pré-existentes. O Orçamento do Estado para 2025 deve, por isso, priorizar a educação, investir na ação social e apoiar quem mais precisa, quando mais precisa. O Orçamento reflete-se nas escolhas e prioridades; os fundos públicos devem ser alocados de forma pensada e precisa. Os 215 milhões de euros previstos para a devolução da propina medida que não retém em Portugal um único jovem podem ser reaproveitados e aplicados na ação social, de forma a promover a equidade. Com este valor, por exemplo, em três anos poderíamos ter verba para um novo Plano Nacional para o Alojamento no Ensino Superior, uma medida bem mais pertinente. As políticas públicas em educação devem ser orientadas pela evidência e ter um propósito claro: permitir que qualquer pessoa, independentemente da sua origem, possa alcançar as suas ambições.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico