Cerca de metade da população europeia não entrou num avião no último ano para férias. Por outro lado, em média, uma em cada dez pessoas viajou em lazer mais de três vezes no último ano. Um relatório publicado nesta quinta-feira pelo grupo de reflexão New Economics Foundation (NEF) em conjunto com a rede Stay Grounded (à qual pertence o movimento português Aterra), com base em estimativas da consultoria CE Delft, mostra que uma taxa europeia sobre esses passageiros frequentes poderia gerar receitas fiscais de 63,6 mil milhões de euros, sem nenhum custo financeiro para a maioria das pessoas.

A estimativa é que a aplicação de uma taxa dessa natureza possa reduzir as emissões de carbono da aviação européia em 21%, já que esses meros 5% das pessoas — os passageiros mais frequentes — passariam a realizar menos vôos.

Ao afunilar o foco apenas para a União Europeia (ou seja, deixando de lado países como o Reino Unido), as receitas geradas seriam de 50,9 mil milhões de euros — calculam os autores do relatório —, e poderiam financiar 20% do investimento público anual necessário para a UE cumprir seus objetivos em matéria de clima. Como contexto, o relatório nota que a ordem de grandeza é semelhante às despesas da UE com a política agrícola comum (PAC), que custou 55,7 bilhões de euros em 2021.

Em Portugal, as receitas fiscais estimadas pela consultora CE Delft seriam de 2,3 mil milhões de euros, com uma redução de 23% nas emissões de CO2.

Taxa progressiva

A taxa sobre passageiros frequentes seria aplicada de forma progressiva. O primeiro voo de ida e volta do ano não seria tributado — o que significa que mais de dois terços da população não pagaria nada — e a taxa então aumentaria a cada novo voo de ida e volta realizado por uma pessoa durante um ano. De acordo com as estimativas do NEF, uma média de 28% das famílias pagariam encargos com a taxa, uma proporção que cai para 15% entre as famílias que ganham menos de 20 mil euros por ano.

Ao contrário de um imposto transversal sobre a aviação, uma taxa dessa natureza poderia reduzir o impacto sobre as pessoas que viajam menos, transferindo o peso para os passageiros frequentes (em geral, os mais ricos). “Para que a transição para uma economia sem carbono seja bem-sucedida, ética e rápida”, escrevem os investigadores, “as políticas devem ser justas e devem ser sentidas como justas”. O relatório propõe ainda uma sobretaxa para as viagens mais poluentes, ou seja, voos de médio e longo curso, assim como os lugares de classe executiva e de primeira classe.

“No momento, não importa se uma pessoa está voando para visitar sua família pela primeira vez em anos ou se está fazendo o décimo voo anual para sua casa de luxo no litoral — ela pagará o mesmo imposto por esse voo”, diz Magdalena Heuwieser, ativista da rede Stay Grounded, citada em comunicado. “Uma taxa sobre voos frequentes seria uma medida justa no setor de aviação, que reduziria os voos excessivos para passageiros ricos e, ao mesmo tempo, aumentaria as receitas — inclusive para expandir e disponibilizar trens e transporte público a preços acessíveis.”

Uso exagerado por uma “fatia pequena”

Nesta quinta-feira, no embalo da publicação do relatório, mais de 80 organizações e 60 acadêmicos assinam uma carta aberta convocando as instituições europeias a adotarem essa medida. Para Francisco Pedro, activista do movimento Aterraa proposta é uma “medida de senso comum para trazer alguma justiça àquele que é o meio de transporte mais injusto que existe”.

“Tem havido muita falta de imaginação em relação a esse tema”, desabafa, notando que o debate em Portugal — onde “o salão tanto da aviação quanto do turismo são muito fortes” — é obscurecido pelo que considera ser um consenso em nível partidário e dos grandes meios de comunicação sobre a expansão do tráfego aéreo. Algo que se nota, por exemplo, em discussões como aquela sobre a construção de um novo aeroporto em Lisboa.

Esta necessidade de expansão, afirma, servirá apenas uma eliteuma “fatia muito pequena da população que usa de forma exagerada esse meio de transporte”. No verso da moeda, em cidades como Lisboa, problemas como a crise da habitação vão se agravando à medida que a cidade se mantém como um destino “muito fácil e confortável” para turistas e outros viajantes frequentes.

Mais financiamento para ação

O estudo da CE Delft fez uma estimativa dos efeitos de uma taxa europeia de passageiro frequente. Ao calcular os orçamentos de carbono da aviação, a análise conclui que é necessária uma redução substancial da aviação no curto prazo para alinhar o setor com os objetivos do Acordo de Paris.

Com os dados resultantes dos modelos econômicos em mãos, a New Economics Foundation (NEF) tratou de analisar os desafios da implementação de uma taxa desse tipo — e o que seria possível fazer com o superávit alcançado. “Quando se trata de parar o colapso climático, a Europa enfrenta uma enorme lacuna no financiamento disponível”, diz Sebastian Mang, pesquisador do NEF, citado em comunicado.

Uma taxa sobre viagens aéreas frequentes, explica ele, poderia “fazer uma contribuição considerável para os fundos da UE” e ser usada para gerar “centenas de milhares de milhões de euros em capital para investimento em transporte público, energia eólica e solar e regeneração de natureza”. Ao mesmo tempo, acrescenta o economista, “uma parte dos fundos deveria ser reservada para a contribuição da UE para países de baixa e média renda que enfrentam a crise climática”.

Proteção de dados — mas há soluções

Os pesquisadores do NEF sugerem um sistema de identificador único de passageiro (semelhante, por exemplo, ao Known Traveller Number dos EUA), contando com um banco de dados centralizado para rastrear o número de voos.

Seria preciso também encontrar uma forma de diferenciar as taxas aplicadas a viagens de trabalho ou a viagens de lazer, ou levar as empresas a compensarem os trabalhadores pelas viagens — afinal, os passageiros não devem ser obrigados a pagar mais pelas viagens de férias por causa das viagens que fizeram a trabalho.

De acordo com a análise, a aplicação é legalmente viável tanto a nível da UE quanto dos países, mas os investigadores sublinham que será preciso cuidado com os dados pessoais, a fim de cumprir o Regulamento Geral de Proteção de Dados.

As propostas do relatório contaram com uma avaliação jurídica da Adastone Law, para reforçar a robustez dos dados.

Sem desculpas

Stefan Grebe, autor do estudo da CE Delft para prever o impacto econômico e redução de emissões da taxa sobre passageiros frequentes, explica que, caso não haja uma “redução imediata” das emissões de carbono para alinhar o setor da aviação com os objetivos do Acordo de Paris, “é provável que a aviação contribua para superar os orçamentos de carbono restantes”.

O comunicado também cita Marlene Engelhorn, milionária austríaca que herdou a fortuna da família e acabou fundando a iniciativa taxmenow.eu. “Já é hora de a democracia usar esta última força da natureza humana para deter a destruição desnecessária que os hábitos luxuosos da minha classe causam e para efetivamente exigir que contribuamos para os custos de salvar este planeta”, diz ele.