Não se sabe ao certo para onde o mundo corre, embora pareça que mudará de direção no médio prazo. Talvez ninguém saiba exatamente. Nem o adivinho cego, o velho Tirésias, inventado por Sófocles, muito antes de a SIC criar o hierofante dos domingos.

Há quem mova mundos e fundos para ocultar a essência das coisas como elas são. Uma das técnicas é reduzir a complexidade da realidade e reduzi-la quase infantilmente aos bons e aos maus. Os bons são os nossos. Os outros os maus.

O que está acontecendo no Oriente Médio é paradigmático. O mundo ocidental abraçou a causa de Israel que designa como nossa. Essa narrativa esconde a realidade das coisas e tem como fim último impedir que um povo ocupado se liberte da opressão.

A Resolução 1514 da ONU reconhece a todos os povos o direito à independência e condena ações repressivas contra a liberdade dos povos subjugados e ocupados.

O direito internacional reconhece aos palestinianos o direito à autodeterminação nos territórios ocupados por Israel, designadamente a Cisjordânia, a Faixa de Gaza e Jerusalém Leste, de acordo com a Resolução 242 da ONU.

O conflito opõe a luta do povo palestiniano contra o ocupante israelita. Há décadas que sucessivos governos israelitas oprimem e reprimem violentamente os direitos nacionais palestinianos. O rosário das violências é longuíssimo – confiscos, expropriações, muros impeditivos de circulação dentro da Cisjordânia, explosões das casas, prisões sem culpa formada, tortura, assassinatos e dezenas de milhares de mortos palestinianos. Esta é a realidade dos factos.

Em Gaza, desde 7 de outubro de 2023 os bombardeamentos contra a população indefesa superam as noventa mil toneladas de bombas, três vezes o poder destrutivo das bombas atómicas sobre Hiroshima e Nagasaki (cada uma tinha 15 KT de TNT). Até esta data, os palestinianos mortos são mais de 41 mil, sendo dois terços idosos, mulheres e crianças. Gaza foi arrasada, inclusive hospitais, escolas e campos de tendas onde viviam dezenas de milhares de palestinianos.

Acrescente-se a essa barbaridade a brutal ideia de que todas essas mortes são uma vitória de Netanyahu. Uma espécie de justificativa da carnificina (sim carnificina), pois para certos líderes israelenses, como Yoav Gallant, os palestinos são animais.

Os alvos de Netanyahu são as populações em Gaza, na Cisjordânia e a população libanesa no Líbano. A sua filosofia é aterrorizar as populações para as separar dos combatentes palestinianos ou resistentes à ocupação. Outrora, os donos dos escravos faziam o mesmo a quem se revoltasse contra a escravatura, matavam até se cansarem.

Como se a morte de mais um milhar e meio de israelitas justificasse esta mortandade de palestinianos e libaneses. A inocência dos civis israelitas mortos não pode justificar semelhante mortandade de inocentes palestinianos e libaneses. A desproporção é aterradora. Um país verdadeiramente democrático não age desta maneira. Para retaliar por 1500 mortos não se pode matar a sangue-frio 41.000 palestinianos e arrasar Gaza.

Ucrâniao Ocidente pode continuar a enviar enquanto for preciso montanhas e montanhas de armas para lutar contra a invasão russa… Na Palestina considera os ataques ao ocupante israelita como sendo terroristas para justificar o envio a cada dia que passa de toneladas de armamento destrutivo para Netanyahu prosseguir as suas façanhas de guerra contra as populações e assassinando os líderes palestinianos ou do Hezbollah disponíveis para fazer acordos. O nome desta política é o mais cruel terrorismo – o terrorismo de Estado.

O que verdadeiramente está em causa na Palestina não é o Irão, nem o Líbano, nem o Iémen. É a ocupação israelita dos territórios palestinianos. É ainda a ocupação dos Montes Golã da Síria e os permanentes bombardeamentos de Israel aos seus vizinhos.

Até que Israel ponha termo à ocupação dos territórios palestinianos e reconheça a autodeterminação do povo palestiniano não haverá paz.

O mundo vai na contramão de Israel e seus apoiadores ocidentais. Nem a Indonésia resistiu aos timorenses. De um lado a opressão nacional, do outro a resistência à ocupação. Quem escreveu o alfabeto não foi por acaso que pôs acento nos ii.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico