O presidente da RTP afirmou esta terça-feira que o fim da publicidade “significa perda de relevância” da empresa e recordou que esta serviu muitas vezes como estabilizador do mercado publicitário. Nicolau Santos falava na conferência “O futuro dos mídia“, organizada pela Impresa, Media Capital, Medialivre, PÚBLICO e Renascença, que está a decorrer no Pestana Palace, em Lisboa.
Questionado sobre se está preocupado com a sustentabilidade financeira da RTP e com o fim da publicidade comercial em 2027, Nicolau Santos afirmou: “Claro que preocupa.”
“Só para terem uma ideia, temos um plano de investimento de cerca de 17 milhões de euros de modernização nos dois próximos anos. Para o plano de saídas voluntárias, se atingir este valor, são 20 milhões de euros e serão sete milhões de euros para menos dois minutos de publicidade”, elencou.
Ou seja, “neste momento temos 27 milhões que precisamos de tapar com financiamento bancário, com outro tipo de apoios”, prosseguiu Nicolau Santos, que reiterou a necessidade de as empresas de mídia se entenderem e trabalharem em conjunto, porque não é a RTP que ameaça os privados, mas antes as grandes plataformas internacionais.
“Os operadores privados sabem muito bem que a RTP muitas vezes tem servido de estabilizador no mercado publicitário”, sublinhou. E advertiu: “A saída da RTP do mercado publicitário também significa uma perda de relevância da RTP”, independentemente de se conseguir a solvabilidade. Segundo Nicolau Santos, o resultado vai ser um serviço público “mais fraco” e também “uma democracia mais fraca”.
Na sua intervenção, Nicolau Santos disse ainda que esperava “um pouco mais de caridade para a RTP” da parte do presidente executivo (CEO) da Impresa, Francisco Pedro Balsemão, quando este questionou se a saída do mercado publicitário era só para a RTP canal de televisão ou também para as plataformas digitais da RTP.
Nicolau Santos apontou a Francisco Pedro Balsemão que “sem a Google e o Facebook, a publicidade no digital em Portugal vale 176 milhões de euros”. “Quanto é que a RTP tem destes 176 milhões? 1,3 milhões! Não venham dizer que é isto que afecta os privados no sector digital”, rematou.
Privados saúdam fim da publicidade
Os líderes dos grandes grupos privados de comunicação social saudaram esta terça-feira o fim da publicidade comercial pela RTP em 2027, anunciada pelo Governo, mas alertaram para a transferência das receitas para as plataformas digitais.
O painel contou com a participação dos presidentes executivos do Grupo Impresa, Francisco Pedro Balsemão, do Grupo Medial Capital, Pedro Morais Leitão, da Medialivre, Luís Santana, do presidente do conselho de administração do Grupo Renascença Multimédia, Paulo Franco, da administradora executiva do PÚBLICO, Cristina Soares, e do presidente do conselho de administração da RTP, Nicolau Santos.
“A RTP já tem uma quota reduzida no mercado de publicidade e não é certo que, ao estarmos a reduzir, isto venha reverter em favor de outros concorrentes. Há claramente uma transferência de publicidade para as plataformas digitais, haverá possivelmente uma transferência de publicidade para meios mais fragmentados. Mas não é evidente que esses seis milhões venham a reverter totalmente a favor das televisões existentes”, defendeu Pedro Morais Leitão.
Já Luís Santana, from Medialivredestacou a importância do combate à desinformação e defendeu que este deve evoluir até ao ponto de penalizar criminalmente quem usa os conteúdos de outros de forma lesiva.
Adicionalmente, no que diz respeito às publicações em papel, Luís Santana realçou que, actualmente, há já quatro concelhos e “largas dezenas de freguesias” no país sem acesso a pontos de venda.
Relativamente à imprensa, Cristina Soares, do PÚBLICOalertou para a crise profunda que afecta este sector. “Nós hoje temos os custos, as redacções e as obrigações regulatórias e as plataformas digitais têm as receitas e continuam desreguladas”, lamentou a responsável.
Quanto à rádio, o presidente do Conselho de Administração do Grupo Renascençao cónego Paulo Franco, lembrou que a RTP não é só televisão e que tem também as três antenas com cobertura nacional de rádio.
“O tema da publicidade pode pensar-se que não se coloca na rádio, no entanto, às vezes, há outras formas dissimuladas de publicidade e também é importante que a regulação não feche os olhos a estas formas dissimuladas de publicidade com o título de patrocínio”, realçou.
Já Francisco Pedro Balsemão, do Grupo Impresa, considerou que esta terça-feira é um dia histórico para a RTP, considerando que uma redução escalonada da publicidade “faz todo o sentido”.
Relativamente ao papel da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC)Balsemão defendeu que “há coisas a ser feitas”.
“É uma entidade que, na minha opinião, deve ter um propósito de regular o sector, regular a transparência da propriedade, quem é que detém os grupos de mídiae não deve servir para censurar” ou interferir nos conteúdos, afirmou o presidente executivo da Impresa.
Redução gradual
A RTP vai ficar sem publicidade em 2027, com um impacto na redução de receita anual nos próximos três anos de aproximadamente 18 milhões de euros, segundo o plano para os mídia a que a Lusa teve acesso.
O fim da publicidade da RTPque será um processo gradual, é uma das 30 medidas do Plano de Acção para a Comunicação Social que foi apresentado esta terça-feira pelo ministro da tutela, Pedro Duarte, e uma das quatro relativas à empresa.
“Os canais de televisão da RTP deverão gradualmente, durante os próximos três anos, eliminar a publicidade comercial das suas grelhas”. Paralelamente, a redução do tempo dedicado à publicidade comercial deverá ser compensada com espaços de promoção e eventos culturais, de acordo com o plano.
Apesar de admitir que a nível europeu há uma tendência para retirar publicidade dos canais públicos, Nicolau Santos citou alguns países – Itália, Irlanda, Áustria e Bélgica – onde as empresas públicas continuam a ter acesso à publicidade.
Recorde-se que a RTP tem a publicidade limitada a seis minutos por hora. Na sua intervenção, Nicolau Santos sublinhou que o sector da comunicação social, em particular o sector privado, está a “passar por sérias dificuldades”.
“Se queremos ter uma democracia forte, que funcione, temos de ter diversidade dos órgãos de comunicação social e temos de ter, sobretudo, sustentabilidade dos órgãos de comunicação social”, defendeu.
“Aprendi muitas vezes a ouvir esta frase do dr. Francisco Pinto Balsemão: que não há independência editorial se não houver independência financeira”, prosseguiu.
Nicolau Santos, que já foi director-adjunto do Expressodetido pela Impresa, alertou ainda que as “Netflix estão entrar” no negócio das televisões, pelo que faz “mais sentido ter entendimento a nível nacional para defender os mídia nacionais para fazer face a este avanço”.
Defendeu também que, “além do Governo, é fundamental que a sociedade civil, os empresários se envolvam” para preservar um ecossistema nos media privados.